Quanto custa a mobilidade numa capital europeia, perdão, Lisboa num Sábado? Um guia em vinte passos. (II)

1 – Vivemos no centro de Lisboa;

2 – Hoje saímos com o carrinho de bebé porque precisávamos de ir à baixa comprar calçado de verão para os miúdos;

3 – Não temos carro e acreditamos que, por vivermos no centro de uma capital, não deveríamos mesmo precisar de um;

4 – Quando saímos do ginásio com os miúdos decidimos que o melhor era apanhar o metro do que fazer aqueles vinte minutos a pé. Afinal estavam mais de 25 graus e o mais velho ou teria de andar – e eventualmente ficar cansado antes do almoço – ou eu teria de levá-lo às cavalitas;

5 – Temos de andar até à entrada sul, porque a entrada norte da estação de metro está fechada aos fins de semana;

6 – Chegamos à entrada, precisamos de quatro mãos para levantar o carrinho de bebé e carregá-lo escadas abaixo, porque, enfim, não há outra opção;

7 – Chegamos ao átrio da estação, temos de esperar para que uma funcionária nos facilite a passagem com o carrinho de bebé. A entrada mais larga só permite saídas;

8 – Passado o canal de entrada, temos de carregar outra vez o carrinho escadas abaixo;

9 – Não sabemos quanto tempo temos de estar à espera;

10 – Entretanto chega um grupo de turistas, mete-se mesmo à nossa frente, à nossa volta, limitando-nos as opções de movimento. Sonsice nossa? Nem por isso, mas por razões cardíacas não acho particularmente saudável estar com um miúdo de quatro anos à beira da linha do comboio;

11 – Entretanto chegam outros pais com um carrinho, percebendo que não conseguem passar por aquele grupo de turistas, recuam;

12 – Passam dez minutos, ainda não chegou o metro;

13 – Olha, chegou agora;

14 – Vem cheio;

15 – O grupo de turistas entra sem qualquer preocupação se estávamos primeiro ou não;

16 – Não conseguimos entrar por aquela porta. Vamos procurar outra nas proximidades, com um carrinho de bebé e um miúdo de quatro anos;

17 – Quase todas as carruagens estão cheias. Lá encontramos uma na segunda metade do metropolitano. Quando vamos a entrar, o maquinista começa a fechar as portas, mesmo vendo que nós estávamos a tentar entrar – depois de esperar dez minutos por um metro, não devia custar dar uns segundos para os passageiros com dificuldades tentarem entrar (até porque não há outro a metro a chegar dentro de trinta segundos). A porta fecha com o carrinho a meio, o maquinista repreende-nos com uma valente buzinadela. Abre-se outra vez e, neste momento, por qualquer razão desistimos de tentar entrar e esperar pelo próximo;

18 – Os outros pais com o carrinho também não conseguiram entrar. Tal como nós, vão ter de esperar pelo próximo;

19 – O próximo é só daqui a 13:30 minutos. Desistimos, fazemos aqueles 15/20 minutos a pé, com 25 graus e um puto de 20 quilos às costas. Não deveria ser necessário explicar mas aqui vai: é melhor meter os miúdos em movimento do que estar 23 minutos (10+13) à espera na gare de um metro.

20 – Lisboa é uma capital europeia. Percebia-se a urgência em fechar as portas se houvesse um metro de 2 em 2 minutos. Não há. A linha verde serve indirectamente o aeroporto e, aos sábados de manhã, tem menos regularidade do que um comboio urbano numa capital que considere os seus cidadãos. Os metropolitanos que passam estão demasiados cheios e isso deveria ser óbvio para se perceber de que a regularidade actual não é suficiente. O custo para quem vive na cidade e decide usar os transportes públicos é imenso. Sobretudo para quem escolhe, por consciência, não ter viatura própria e acreditar que podemos ser servidos por transportes públicos. Manhãs como estas – que são muito comuns – deitam-nos abaixo. Também, já agora, não serve os turistas, preocupação primária da cidade nos últimos anos. Dez minutos à espera de um transporte no centro da cidade é uma vida inteira. Se esse transporte for o metro, são duas vidas. Há os problemas graves, como este, e há aqueles pequeninos, facílimos de resolver. E que, talvez, se quem tomasse decisões usasse os transportes públicos já teria agido: marcar no chão os locais onde as portas se abrem. Para não ser um jogo de adivinha e para quando, numa situação como a nossa, em que deve ser prioritário entrar – por diversas razões, a principal sendo a facilidade de circulação de pessoas num transporte rápido -, sabermos onde estar e não deixar que um grupo de pessoas tome o nosso lugar.

Quanto custa fechar um parque infantil?

Vivi a minha vida toda em Lisboa, adepto e muito utilizador dos serviços públicos e uma pessoa que acredita mais na utilidade do empirismo do que em salas de reuniões e folhas de Excel. Tenho para mim a crença de que a gestão pública é deficiente pela falta de calo quotidiano de quem toma decisões. Chamem-lhe de populista, taxista, o que quiserem. Os transportes públicos são o exemplo fácil. A ausência de soluções para serem mesmo um serviço público (seja regularidade, horários, conexões, condições ou mesmo a lógica simples de prestação de um serviço) deriva da preferência da maioria pelo veículo privado (associada à ideia liberal de que só o pobre usa transportes públicos, um princípio péssimo): e não vale a pena entrar no jogo mental de que foi a falta de oferta que gerou esta procura.

Com filhos, essa sensação de que a gestão do espaço e aparelhos públicos é péssima adensou-se pela falta de parques infantis, piscinas públicas e, no geral, falta de coisas para fazer ao ar livre (e não só, mas isso é outra conversa) – em condições – numa cidade com bom tempo, espaço e um potencial enorme. Há parques bons e bem mantidos, claro que há, mas no geral a oferta é parca e medíocre. A generalidade dos parques são pequenos, com falta de aparelhos (e, por vezes, os que há têm falta de manutenção), sem casas de banho, bebedouros ou até um quiosque onde se possa estar, facilitar o encontro entre pais e tornar o lazer mais agradável e não algo que envolve pensar em mil coisas diferentes antes de sair de casa para lá das mil coisas que já se têm de pensar. Eu improviso, os meus amigos improvisam, os pais dos filhos amigos dos meus filhos improvisam, mas é muito comum a conversa resvalar para como em Lisboa a oferta de parques infantis é péssima. Também é nesta altura que nos lembramos de que Lisboa é uma capital europeia. Falta essa capital europeia na prática, Lisboa pode ser muito mais do que comunicação de mupi.

Há parques bons – e limpos – com quiosques. Geralmente nas freguesias mais abastadas (pode-se discutir o porquê, mas não cabe aqui). Mas a generalidade é má. Há parques tão pequenos, mas tão pequenos, que até nos levam a questionar o porquê de existirem. Mas depois lembramo-nos da realidade da oferta e até ficamos gratos por aqueles 25 metros quadrados existirem. Beggars can’t be choosers.

Acredito piamente de que a falta de oferta destas estruturas se deve a falta de utilização destes espaços por quem manda, decide. Não só quem realmente tem o poder, mas também quem está perto dele. Não é o papão do governo, do chefe, mas de todos que entram e saem dos gabinetes. Seja porque não precisa – o gostinho das segundas casas em Portugal – ou porque os tempos livres com os miúdos são despejados para casa dos avós (por n razões, sem julgamento).

O que me leva a escrever isto hoje tem a ver exactamente com esta falta de utilização por quem decide. Domingo passado fui ao parque infantil do Parque Eduardo Sétimo. Não é perto da nossa casa, mas temos um autocarro que nos leva do ponto A ao B sem grande esforço. Nesta lógica de mobilidade, sem viatura privada, este parque infantil é talvez o que melhor nos serve, seja porque está limpo (por exemplo, não tem ratazanas mortas que ficam a decompor durante duas semanas à entrada do parque infantil, como no Campos Mártires da Pátria), por ter uma dimensão acima da média ou por estar localizado numa zona muito verde e com opções caso nos fartemos do parque (há umas quantas árvores porreiras para trepar em diferentes zonas do parque). E também há a Estufa Fria, que foi onde acabámos por ir no Domingo porque o parque estava fechado.

Chegámos às 10:30, saímos da zona por volta das 14. Durante esse tempo todo, o parque infantil esteve fechado porque estavam a decorrer umas filmagens dentro do parque infantil. Num domingo, de manhã. Vimos muitas crianças impossibilitadas de brincar, vimos muitas crianças a chorar (e digo isto sem vontade de puxar o drama da coisa) e vimos muitos pais impossibilitados de brincar com os seus filhos, muitos, talvez, o único tempo na semana que têm para realmente brincar com os filhos.

O parque infantil do Parque Eduardo VII é daqueles parques em Lisboa que vejo sempre cheio de vida ao fim de semana. E, também, daqueles onde vejo pais (de pai) com os filhos, casais juntos a brincarem com os filhos (e não só um, geralmente a mãe, como em muitos outros parques) e uma agradável ausência de avós (nada contra, mas se ainda não perceberam a ideia, vão lá atrás). Também vejo pais em grupo, a falar, a conviver, porque é um parque com um quiosque, casa-de-banho, bebedouros e sombra. Não é especialmente grande, mas a junção disto tudo é obra em Lisboa, sobretudo numa zona tão central e, em teoria, fácil de chegar. Já fiz aniversários dos meus filhos lá.

Tirar isto aos filhos e aos pais a um domingo de manhã para filmagens é criminoso. Uma absurda falta de bom-senso e um belo exemplo da falta de decisores que façam vida no terreno, vivam a cidade e percebam as faltas, o que falha, porque falha e como podemos melhorar. E como podemos ser felizes na rua, ao ar livre, juntar, criar, ter um domingo em família e com amigos que aproveite as coisas naturais que a cidade tem para oferecer.

Fechar num parque a um domingo para filmagens? Qual é o valor que paga isso e será que esse valor justifica não se ter passado essa decisão para um dia da semana ou, simplesmente, ter cagado no assunto?

A sério, quem decide estas merdas?