A nossa necessidade de estacionar mal é impossível de satisfazer

Durante quase toda a minha vida, especialmente durante a vida adulta, vivi em casas pequenas. Viver com pouco espaço ensina uma série de coisas se houver disposição para aprender. Saltando o capítulo do “deixar de ter tanta coisa” – não sou um exemplo, já fui pior -, uma delas é essencial e envolve a palavra espaço: criar espaço.

A casa não cresce com o tempo. Mesmo que as coisas não se acumulem, uma nova vida, ou duas, ocupam e precisam de mais espaço. Ainda antes de ser pai já me divertia com essa ideia de criar espaço, encontrar formas de encaixar tudo de forma funcional – sobretudo na cozinha -, para rentabilizar o que se tem, economizar tempo e tornar todo o necessário próximo.

Por vezes, as minhas soluções Tetris de funcionalismo criam alguma insatisfação. Na maior parte das vezes demoram tempo a assentar. Quando resultam bem, libertam 8 metros quadrados da sala e cria-se um espaço porreiro para o miúdo brincar em sintonia com o resto da sala.

Só que isto não é um texto sobre decoração ou soft skills. É sobre o atrofio de ver como os outros pais estacionam os carrinhos de bebé no parque das creches. Seria de esperar, num ambiente onde muita gente está com pressa, mal dormida, cansada, atrasada para qualquer coisa, irritada com qualquer coisa, onde há uma concordância de mal-estar matinal na cabeça da maioria dos pais, que o botão de “vou fazer isto bem para não atrapalhar a vida de alguém para que depois não me aconteça também” estivesse on. É raro.

Os problemas de estacionamento e de estacionamento em segunda fila existem para lá das ruas e dos passeios. A surpresa não vem de isso também ser uma cena com os carrinhos de bebé, mas pela falta de empatia numa situação onde basicamente estão todos ao mesmo nível – com as mesmas dores de costas e olheiras – e existe um desapego pela camaradagem funcional e um à-vontade de quem espera que o problema seja resolvido por outro.

Faz confusão como os pais não têm a Abordagem Tetris à situação. Muitos preferem aquela coisa de deixar o carro mais acessível, na esperança de que 6/8 horas depois ainda esteja lá (não vai estar); outros alimentam a ideia de que se os deixarem assim ao calhas, alguém o arrumará (não vai acontecer, o mais provável é que alguém lhe dê um biqueiro ou um encontrão com o seu carrinho ao tentar fazer o mesmo, ou seja, deixá-lo assim ao calhas); e ainda há aqueles que o colocam numa certa posição, de forma a que ocupe mais espaço do que o necessário, para depois ser mais fácil de manobrar na saída (é provável que também leve um biqueiro, lamento).

Acredito que qualquer uma das pessoas destes três grupos não aja de má-fé. É tramado pensar bem quando a cabeça às vezes já está feito num oito ao início da manhã ou ser mais fácil agir em conformidade com a irritação / stress / exaustão que se sente. Mas da mesma forma que se faz mal, também se consegue fazer bem.

Por isso, há pais que genuinamente se esforçam a criar uma ordem. Que conhecem a dimensão do carrinho, a agilidade e limites, e colocam-no de uma forma que permita alguém meter outro carro confortavelmente ao seu lado ou atrás, dando espaço suficiente para gerir eventuais saídas de qualquer carrinho. São pais que percebem a beleza daquele caos inexplicável provocado por quem não procura uma organização, mas que percebem que a harmonia e funcionalidade, mesmo nas coisas mais idiotas do dia-a-dia, dão pequenas alegrias e poupanças de tempo. E fazem-no bem para que os outros sigam o seu exemplo, não de um ponto de vista de superioridade moral – ou algo do género – mas com a enfática beleza de quem sabe que estamos todos a ter um dia de merda. Porque mesmo que esteja a ser um dia ok até então, passa a ser de merda quando se tem de navegar por entre as decisões de estacionamento de todos aqueles que se estão a cagar para nós.