Fazer bem

Após o nascimento do primeiro filho, aconteceram uma série de viagens de táxis/Uber, algumas com, outras sem o bebé. Seja por ele estar lá ou implicarem destino/partida da maternidade, a conversa movimentava-se com o tema filhos. Houve de tudo um pouco, boas e más experiências. Uma ficou na memória, a do motorista que começa a falar do filho de quatro anos e de como as coisas se complicam agora, “agora entra a educação”.

Verdade. Até então nunca me tinha ocorrido que era preciso educar um filho. Tinha mais com que me preocupar. Por exemplo, ele nascer bem. A mãe estar bem (antes, durante e depois). Naqueles primeiros dias assegurar-me que ele não morria. Entretanto, tive que garantir que ele não se matava (ou como colocava na altura “ensiná-lo a não morrer”) com qualquer coisa que estivesse a aprender, desde comer a perceber que, se cair da janela do quarto andar, o pai “não o pode arranjar”, como faz aos brinquedos. Enquanto isto acontecia, preocupei-me que ele aprendesse a brincar, a não ter medo de brincar e, dentro dos possíveis, que pode fazer as coisas como quer. Os limites são negociáveis.

Coisas que considero sobrevivência básica: física dele, física minha, mental dele, mental minha. Educação passa por muitas outras coisas, no fundo, regras. A construção da obsessão com o fazer bem. Isso não vem com a educação, não vem com um bebé, existe em muita coisa. Com um bebé desenvolve-se com a pressão exterior (família, amigos, outros) e pelo lugar onde os pais se colocam, pelas formações que têm, livros que leem, conselhos que procuram pela procura do fazer bem. Como se a fórmula fosse única, o caminho definido e pouco individual e aquele tipo de pressão fosse necessário.

Com o crescimento dos filhos a obsessão pelo fazer bem torna-se descontrolada com a educação: natural que a pressão passe para a educação. São as boas maneiras, as regras de conduta, as formas de estar, o saber estar, o incómodo que causam aos outros (metemos um ecrã à frente para não incomodar e ficarem tão sossegadinhos). Os moralismos do costume. Coisas com que os adultos se preocupam, sobretudo os outros adultos. Quer-se que a coisa encaixe bem, que siga uma ordem que agrade mais aos outros do que ao ser que está a crescer, a aprender. Qualquer desobediência a essa ordem parece um caminho sem retorno. Já todos estivemos aí.

Desde aquele dia que penso, com uma regularidade pouco saudável, nas palavras do motorista e temo pelo dia em que entra a educação. Possível que já tenha começado e me tenha ultrapassado a mil. Ocorre-me esse lugar de desvantagem cada vez que o oiço a dizer um “foda-se” ou, o muito complexo e admirável “for fuck sake”. Sempre tão oportunos e bem metidos que me sinto incapaz de o contrariar (e também de não me rir) e de me juntar a ele nesta arte de não fazer bem. Tem-me educado a não fazer bem. A não pensar nisso, a deixar para trás. A irmã reforçou o processo e convence todos os dias de que, se calhar, todos juntos, até estamos a fazer bem.