Temos de falar sobre o Chase

O Marshall é um dálmata que exerce funções de bombeiro e de paramédico. A Skye é uma cockapoo que pilota um helicóptero, ajudando a equipa no ar. O Rocky é um rafeiro que conduz um camião do lixo que se transforma num barco rebocador; acresce – talvez o mais importante – a mensagem ecológica que carrega por via da reciclagem. O Rubble é um bulldog que conduz um bulldozer com diversas utilidades no campo da construção civil de urgência. Zuma é um labrador retriever que conduz um aerobarco, ajuda o grupo nas missões aquáticas. Chase é um pastor alemão que tem um megafone e uma rede. E ainda há Ryder, o rapaz de dez anos que tem acesso a equipamento militar. “Paw Patrol”, ou “Patrulha Pata”.

Está em todo o lado, um daqueles confrontos inevitáveis com a realidade. Fácil dizer que não se vai ceder, tarde demais quando se deu uma aberta. Há muito a dizer sobre esta série da Nickelodeon, que tem mais de 200 episódios emitidos (e a contar), está no ar desde 2013 e um espólio musical que faz um esforço tremendo para chegar a uma mão cheia de canções e com uma duração aproximada de cinco minutos. A fórmula pegou tão bem que nem precisou de dar aquele carinho extra. Até porque isso vem com o merchandise.

O título básico, elementar, cliché, deste texto é inevitável. Chase é um problema. Numa equipa onde os colegas utilizam veículos que, por associação, indicam utilidade e uma certa ideia de sujar as mãos para garantir que o trabalho se faz, Chase combina o menino disciplinado e cumpridor e uma figura de autoritarismo. Uma aberração. Reforçando: os seus instrumentos são um megafone e uma rede.

Pronto para gritar e apanhar Ryder, sir!

A coisa seria menos grave se Chase não fosse tão nuclear. Chase surge no centro das imagens, durante a acção está no meio, destacado à frente, do grupo. Por construção de imaginário, ele tornou-se na cara de “Paw Patrol”. Pode-se alegar que os miúdos preferem o Marshall, pelo atitude trapalhona que lhe dá uma certa graça e carinho pelo à-vontade com que o faz. Contudo, Marshall simboliza o menino pateta do grupo, aquele de quem toda a gente se ri. A simpatia – ou preferência – surge por fazer rir, ser o totó da turma, aquele que não se quer ser. Já Chase, experiencia-se como uma ambição. Um patético macha-alfo.

Patético e imbecil. Por hierarquia biológica, perde o papel de líder, esse cabe a Ryder, o humano de dez anos que é o pão para toda a obra para qualquer coisa que aconteça em Adventure Bay. Chase sabe disso. E quer mostrar aos outros – e a nós – que sabe mesmo disso, daí duas das suas catchphrases transparecerem aquela obediência cega, de quem quer escalar socialmente: “Ready for action Ryder, sir!” e “Chase on the Case”. Chase quer o lugar do Ryder. Não luta por ele – caramba, é um programa para miúdos – mas é o seu sonho.

Dessa obediência nasce a figura autoritária. Veste azul-polícia, de todas as fardas transforma-se naquela que causa menos empatia porque se relaciona diretamente com a autoridade. E, ao contrário dos colegas, as suas ferramentas carecem de utilidade própria. Provavelmente nenhum dos outros poderia pilotar um helicóptero como Skye, ou ter a formação de bombeiro como Marshall, operar um bulldozer como Rubble. Qualquer um sabe usar um megafone ou atirar uma rede. Estes itens definem a vulgaridade de Chase, só que o facto de ser tão central, dominante em termos de imagética, ofusca a ausência de reais virtudes. Chase é o yes man por excelência. O gajo que eventualmente será CEO por usar um megafone.

Numa equipa com qualidades tão específicas – e funcionais -, Chase existe como retrato de um passado que insiste em existir. É o douchebag por excelência, mascarado de admirável e obediente cão num universo para crianças. Sempre que ele alcança o microfone para dizer algo completamente inútil, ou atira a rede para prender alguém, perde-se alguma inocência. Está longe de ser o líder que a sua imagem pretende projectar, é um cão cujo talento se esgota na pretensão de autoridade, retrógrado num programa para os putos de hoje, com uma ambição desfasada das suas qualidades e, inevitavelmente, um tremendo imbecil. E chama-se Chase. Óbvio, pois.